Saborosa nota intitulada "Urbano ou Rural?" foi destaque da coluna Radar , assinada por Lauro Jardim na revista Veja. Ela apresenta o caso extremo de União da Serra (RS) , município de 1900 habitantes , dos quais 286 são considerados urbanos por residirem na sede do município, ou nas sedes de seus dois distritos . A investigação da revista apontou as seguintes evidências : a) " a totalidade dos moradores sobrevive de rendimentos associados à agropecuária" ; b) " a 'população' de galinhas e bois é 200 vezes maior que a de pessoas "; c) " nenhuma residência é atendida por rede de esgoto" ; d) " não há agência bancária". Os comentários não poderiam ser melhores. Demonstram que o bom sendo sempre dá preferência aos critérios funcionais , em vez de estruturais, quando a questão é determinar se parte de um município como União da Serra pode ser considerada urbana . Ao fazer perguntas sobre a base das atividades econômicas dos moradores e sobre a exigência de esgoto ou de agência bancária , a reportagem revela que não é razoável o critério estrutural em vigor segundo o qual urbano é todo habitante que reside no interior dos perímetros delineados pelas Câmaras Municipais em torno de toda e qualquer sede de município ou de distrito. Infelizmente é assim que o Brasil conta com a sua população urbana desde o auge do Estado Novo , quando Getúlio Vargas baixou o decreto-lei 311/38 . Até tribos indígenas foram consideradas urbanas pelos censos demográficos realizados entre 1940 e 200m. Outra prova de que o bom senso dá preferência a critérios funcionais é o contraste entre o que ocorre aqui e no exterior . Para explicar como costuma ser feita a classificação territorial das populações no resto do mundo , o exemplo mais próximo é da nação que colonizou este imenso país. Por lei aprovada há vinte anos pela Assembleia da Republica de Portugal, uma povoação só pode ser elevada à categoria de vila se possuir pelo menos metade de oito equipamentos coletivo : a) posto de assistência médica ; b) farmácia ; c) centro cultural; d) transportes públicos coletivos ; e) estação dos correios e telégrafos ; f) estabelecimentos comerciais e de hotelaria ; g) estabelecimento que ministre escolaridade obrigatória; h) agência bancária. Pela mesma lei, uma vila só pode ser elevada à categoria de cidade se possuir , pelo menos, metade de dez equipamentos coletivos : a ) instalações hospitalares com serviço de permanência ; b) farmácias; c) corporação de bombeiros ; d) casa de espetáculos e centro cultural ; e ) museu e biblioteca ; f) instalações de hotelaria ; g) estabelecimento de ensino preparatório e secundário ; h) estabelecimento de ensino pré-primário e infantários ; i) transportes públicos , urbanos e suburbanos ; j) parques ou jardins públicos. E além desses critérios funcionais, há uma preliminar eliminatória : para que seja vila a povoação deve contar com mais de 3 mil eleitores em aglomerado populacional contínuo. E para ser elevada à à categoria de cidade a exigência mínima é de 8 mil eleitores. São poucos os municípios brasileiros nos quais se podem encontrar 8 mil eleitores em aglomerado populacional contínuo. E mais raros ainda são os aglomerados populacionais que possuem alguns dos dez equipamentos coletivos que definem as cidades portuguesas. (...)
-Veiga, José Eli da. Como reconhecer uma cidade? Disponível em <www.econ.fea.usp.br/zeeli/Textos/Estadao2002/134.htm>. Acesso em : 12 jan. 2010.